Testemunhar o valor inestimável da indissolubilidade e da fidelidade matrimonial é uma das tarefas mais preciosas e mais urgentes dos casais cristãos do nosso tempo. Por isso, juntamente com todos os Irmãos que participaram no Sínodo dos Bispos, louvo e encorajo os numerosos casais que, embora encontrando não pequenas dificuldades, conservam e desenvolvem o dom da indissolubilidade: cumprem desta maneira, de um modo humilde e corajoso, o dever que lhes foi confiado de ser no mundo um «sinal» - pequeno e precioso sinal, submetido também às vezes à tentação, mas sempre renovado - da fidelidade infatigável com que Deus e Jesus Cristo amam todos os homens e cada homem. Mas é também imperioso reconhecer o valor do testemunho daqueles cônjuges que, embora tendo sido abandonados pelo consorte, com a força da fé e da esperança cristãs, não contraíram uma nova união. Estes cônjuges dão também um autêntico testemunho de fidelidade, de que tanto necessita o mundo de hoje. Por isto mesmo devem ser encorajados e ajudados pelos pastores e pelos fiéis da Igreja.
A comunhão mais ampla da família
21.A comunhão conjugal constitui o fundamento sobre o qual se continua a edificar a mais ampla comunhão da família: dos pais e dos filhos, dos irmãos e das irmãs entre si, dos parentes e de outros familiares.
Tal comunhão radica-se nos laços naturais da carne e do sangue, e desenvolve-se encontrando o seu aperfeiçoamento propriamente humano na instauração e maturação dos laços ainda mais profundos e ricos do espírito: o amor, que anima as relações interpessoais dos diversos membros da família, constitui a força interior que plasma e vivifica a comunhão e a comunidade familiar.
A família cristã é, portanto, chamada a fazer a experiência de uma comunhão nova e original, que confirma e aperfeiçoa a comunhão natural e humana. Na realidade, a graça de Jesus Cristo, «o Primogénito entre muitos irmãos»(56), é por sua natureza e dinamismo interior uma «graça de fraternidade» como a chama Santo Tomás de Aquino(57). O Espírito Santo, que se infunde na celebração dos sacramentos, é a raiz viva e o alimento inexaurível da comunhão sobrenatural que estreita e vincula os crentes com Cristo, na unidade da Igreja de Deus. Uma revelação e actuação específica da comunhão eclesial é constituída pela família cristã que também, por isto, se pode e deve chamar «Igreja doméstica»(58).
Todos os membros da família, cada um segundo o dom que lhe é peculiar, possuem a graça e a responsabilidade de construir, dia após dia, a comunhão de pessoas, fazendo da família uma «escola de humanismo mais completo e mais rico»(59): é o que vemos surgir com o cuidado e o amor para com os mais pequenos, os doentes e os anciãos; com o serviço recíproco de todos os dias; com a co-participação nos bens, nas alegrias e nos sofrimentos.
Um momento fundamental para construir uma comunhão semelhante é constituído pelo intercambio educativo entre pais e filhos(60), no qual cada um deles dá e recebe. Mediante o amor, o respeito, a obediência aos pais, os filhos dão o seu contributo específico e insubstituível para a edificação de uma família autenticamente humana e cristã(61). Isso ser-lhe-á facilitado, se os pais exercerem a sua autoridade irrenunciável como um «ministério» verdadeiro e pessoal, ou seja, como um serviço ordenado ao bem humano e cristão dos filhos, ordenado particularmente a proporcionar-lhes uma liberdade verdadeiramente responsável; e se os pais mantiverem viva a consciência do «dom» que recebem continuamente dos filhos.
A comunhão familiar só pode ser conservada e aperfeiçoada com grande espírito de sacrifício. Exige, de facto, de todos e de cada um, pronta e generosa disponibilidade à compreensão, à tolerância, ao perdão, à reconciliação. Nenhuma família ignora como o egoísmo, o desacordo, as tensões, os conflitos agridem, de forma violenta e às vezes mortal, a comunhão: daqui as múltiplas e variadas formas de divisão da vida familiar. Mas, ao mesmo tempo, cada família é sempre chamada pelo Deus da paz a fazer a experiência alegre e renovadora da «reconciliação», ou seja, da comunhão restabelecida, da unidade reencontrada Em particular a participação no sacramento da reconciliação e no banquete do único Corpo de Cristo oferece à família cristã a graça e a responsabilidade de superar todas as divisões e de caminhar para a plena verdade querida por Deus, respondendo assim ao vivíssimo desejo do Senhor: que «todos sejam um»(62).
Direitos e função da mulher
22. Enquanto é, e deve tornar-se, comunhão e comunidade de pessoas, a família encontra no amor a fonte e o estímulo incessante para acolher, respeitar e promover cada um dos seus membros na altíssima dignidade de pessoas, isto é, de imagens vivas de Deus. Como justamente afirmaram os Padres Sinodais, o critério moral da autenticidade das relações conjugais e familiares consiste na promoção da dignidade e vocação de cada uma das pessoas que encontram a sua plenitude mediante o dom sincero de si mesmas(63).
Nesta perspectiva, o Sínodo quis prestar atenção privilegiada à mulher, aos seus direitos e função na família e na sociedade. Nesta mesma perspectiva devem considerar-se também o homem como esposo e pai, a criança e os anciãos.
É de ressaltar-se antes de tudo a igual dignidade e responsabilidade da mulher em relação ao homem: tal igualdade encontra uma forma singular de realização na doação recíproca de si ao outro e de ambos aos filhos, doação que é específica do matrimónio e da família. Tudo o que a razão intui e reconhece, vem revelado plenamente pela Palavra de Deus: a história da salvação é, de facto, um contínuo e claro testemunho da dignidade da mulher.
Ao criar o homem «varão e mulher»(64), Deus dá a dignidade pessoal de igual modo ao homem e à mulher, enriquecendo-os dos direitos inalienáveis e das responsabilidades que são próprias da pessoa humana. Deus manifesta ainda na forma mais elevada possível a dignidade da mulher, ao assumir Ele mesmo a carne humana da Virgem Maria, que a Igreja honra como Mãe de Deus, chamando-a nova Eva e propondo-a como modelo da mulher redimida. O delicado respeito de Jesus para com as mulheres a quem chamou ao seu séquito e amizade, a aparição na manhã da Páscoa a uma mulher antes que aos discípulos, a missão confiada às mulheres de levar a boa nova da Ressurreição aos apóstolos, são tudo sinais que confirmam a especial estima de Jesus para com a mulher. Dirá o Apóstolo Paulo: «Porque todos vós sois filhos de Deus, mediante a fé em Jesus Cristo ... Não há judeu nem grego; não há servo nem livre; não há homem nem mulher, pois todos vós sois um só em Cristo Jesus»(65).
A mulher e a sociedade
23. Sem entrar agora a tratar nos seus vários aspectos o amplo e complexo tema das relações mulher-sociedade, mas limitando estas considerações a alguns pontos essenciais, não se pode deixar de observar como, no campo mais especificamente familiar, uma ampla e difundida tradição social e cultural tenha pretendido confiar à mulher só a tarefa de esposa e mãe, sem a estender adequadamente às funções públicas, em geral, reservadas ao homem.
Não há dúvida que a igual dignidade e responsabilidade do homem e da mulher justificam plenamente o acesso da mulher às tarefas públicas. Por outro lado, a verdadeira promoção da mulher exige também que seja claramente reconhecido o valor da sua função materna e familiar em confronto com todas as outras tarefas públicas e com todas as outras profissões. De resto, tais tarefas e profissões devem integrar-se entre si se se quer que a evolução social e cultural seja verdadeira e plenamente humana.
Isto conseguir-se-á mais facilmente se, como o desejou o Sínodo, uma renovada «teologia do trabalho» esclarecer e aprofundar o significado do trabalho na vida cristã e determinar o laço fundamental que existe entre o trabalho e a família, e, portanto, o significado original e insubstituível do trabalho da casa e da educação dos filhos(66). Portanto a Igreja pode e deve ajudar a sociedade actual pedindo insistentemente que seja reconhecido por todos e honrado no seu insubstituível valor o trabalho da mulher em casa. Isto é de importância particular na obra educativa: de facto, elimina-se a própria raiz da possível discriminação entre os diversos trabalhos e profissões, logo que se veja claramente como todos, em cada campo, se empenham com idêntico direito e com idêntica responsabilidade. Deste modo aparecerá mais esplendente a imagem de Deus no homem e na mulher.
Se há que reconhecer às mulheres, como aos homens, o direito de ascender às diversas tarefas públicas, a sociedade deve estruturar-se, contudo, de maneira tal que as esposas e as mães não sejam de facto constrangidas a trabalhar fora de casa e que a família possa dignamente viver e prosperar, mesmo quando elas se dedicam totalmente ao lar próprio.
Deve além disso superar-se a mentalidade segundo a qual a honra da mulher deriva mais do trabalho externo do que da actividade familiar. Mas isto exige que se estime e se ame verdadeiramente a mulher com todo o respeito pela sua dignidade pessoal, e que a sociedade crie e desenvolva as devidas condições para o trabalho doméstico.
A Igreja, com o devido respeito pela vocação diversa do homem e da mulher, deve promover, na medida do possível, também na sua vida, a igualdade deles quanto a direitos e dignidades, e isto para o bem de todos: da família, da Igreja e da sociedade.
É evidente, porém, que isto não significa para a mulher a renúncia à sua feminilidade nem a imitação do carácter masculino, mas a plenitude da verdadeira humanidade feminil, tal como se deve exprimir no seu agir, quer na família quer fora dela, sem contudo esquecer, neste campo, a variedade dos costumes e das culturas.
Ofensas à dignidade da mulher
24. Infelizmente a mensagem cristã acerca da dignidade da mulher vem sendo impugnada por aquela persistente mentalidade que considera o ser humano não como pessoa, mas como coisa, como objecto de compra-venda, ao serviço de um interesse egoístico e exclusivo do prazer: e a primeira vítima de tal mentalidade é a mulher.
Esta mentalidade produz frutos bastante amargos, como o desprezo do homem e da mulher, a escravidão, a opressão dos fracos, a pornografia, a prostituição - sobretudo quando é organizada - e todas aquelas várias discriminações que se encontram no âmbito da educação, da profissão, da retribuição do trabalho, etc.
Além disso, ainda hoje, em grande parte da nossa sociedade, permanecem muitas formas de discriminação aviltante que ferem e ofendem gravemente algumas categorias particulares de mulheres, como, por exemplo, as esposas que não têm filhos, as viúvas, as separadas, as divorciadas, as mães-solteiras.
Estas e outras discriminações foram veementemente deploradas pelos Padres Sinodais. Solicito, pois, que se desenvolva uma acção pastoral específica mais vigorosa e incisiva, a fim de que sejam vencidas em definitivo, para se poder chegar à estima plena da imagem de Deus que esplandece em todos os seres humanos, sem nenhuma exclusão.
O homem esposo e pai
25.É dentro da comunhão-comunidade conjugal e familiar que o homem é chamado a viver o seu dom e dever de esposo e pai.
Na esposa ele vê o cumprimento do desígnio de Deus: «Não é conveniente que o homem esteja só; vou dar-lhe um auxiliar semelhante a ele»(67) e faz sua a exclamação de Adão, o primeiro esposo: «Esta é, realmente, osso dos meus ossos e carne da minha carne»(68).
O amor conjugal autêntico supõe e exige que o homem tenha um profundo respeito pela igual dignidade da mulher: «Não és o senhor - escreve Santo Ambrósio - mas o marido; não te foi dada como escrava, mas como mulher... Retribui-lhe as atenções tidas para contigo e sê-lhe agradecido pelo seu amor»(69). Com a esposa o homem deve viver «uma forma muito especial de amizade pessoal»(70). O cristão, é, além disso, chamado a desenvolver uma atitude de amor novo, manifestando para com a sua esposa a caridade delicada e forte que Cristo nutre pela Igreja(71).
O amor à esposa tornada mãe e o amor aos filhos são para o homem o caminho natural para a compreensão e realização da paternidade. De modo especial onde as condições sociais e culturais constringem facilmente o pai a um certo desinteresse em relação à família ou de qualquer forma a uma menor presença na obra educativa, é necessário ser-se solícito para que se recupere socialmente a convicção de que o lugar e a tarefa do pai na e pela família são de importância única e insubstituível(72). Como a experiência ensina, a ausência do pai provoca desequilíbrios psicológicos e morais e dificuldades notáveis nas relações familiares. O mesmo acontece também, em circunstâncias opostas, pela presença opressiva do pai, especialmente onde ainda se verifica o fenómeno do «machismo», ou seja da superioridade abusiva das prerrogativas masculinas que humilham a mulher e inibem o desenvolvimento de relações familiares sadias.
Revelando e revivendo na terra a mesma paternidade de Deus(73), o homem é chamado a garantir o desenvolvimento unitário de todos os membros da família. Cumprirá tal dever mediante uma generosa responsabilidade pela vida concebida sob o coração da mãe e por um empenho educativo mais solícito e condividido com a esposa(74), por um trabalho que nunca desagregue a família mas a promova na sua constituição e estabilidade, por um testemunho de vida cristã adulta, que introduza mais eficazmente os filhos na experiência viva de Cristo e da Igreja.
Os direitos da criança
26.Na família, comunidade de pessoas, deve reservar-se uma especialíssima atenção à criança, desenvolvendo uma estima profunda pela sua dignidade pessoal como também um grande respeito e um generoso serviço pelos seus direitos. Isto vale para cada criança, mas adquire uma urgência singular quanto mais pequena e desprovida, doente, sofredora ou diminuída for a criança.
Solicitando e vivendo um cuidado terno e forte por cada criança que vem a este mundo, a Igreja cumpre uma sua missão fundamental: revelar e repetir na história o exemplo e o mandamento de Cristo, que quis pôr a criança em destaque no Reino de Deus: «Deixai vir a Mim os pequeninos e não os impeçais pois deles é o reino de Deus»(75).
Repito novamente o que disse na Assembleia geral das Nações Unidas em 2 de Outubro de 1979: «Desejo ... exprimir a felicidade que para cada um de nós constituem as crianças, primavera da vida, antecipação da história futura de cada pátria terrestre. Nenhum país do mundo, nenhum sistema político pode pensar no seu futuro senão através da imagem destas novas gerações que assumirão dos pais o múltiplo património dos valores, dos deveres e das aspirações da nação à qual pertencem, e o de toda a família humana. A solicitude pela criança ainda antes do nascimento, desde o primeiro momento da concepção e, depois, nos anos da infância e da adolescência, é a primária e fundamental prova da relação do homem com o homem. E, portanto, que mais se poderá augurar a cada nação e a toda a humanidade, a todas as crianças do mundo senão aquele futuro melhor no qual o respeito dos direitos do homem se torne plena realidade no aproximar-se do ano dois mil?»(76).
O acolhimento, o amor, a estima, o serviço multíplice e unitário - material, afectivo, educativo, espiritual - a cada criança que vem a este mundo deverão constituir sempre uma nota distintiva irrenunciável dos cristãos, em particular das famílias cristãs. Deste modo as crianças, ao poderem crescer «em sabedoria, idade e graça diante de Deus e dos homens»(77), darão o seu precioso contributo à edificação da comunidade familiar e à santificação dos pais(78).
Os anciãos na família
27.Há culturas que manifestam uma veneração singular e um grande amor pelo ancião: longe de ser excluído da família ou de ser suportado como um peso inútil, o ancião continua inserido na vida familiar, tomando nela parte activa e responsável - embora devendo respeitar a autonomia da nova família - e sobretudo desenvolvendo a missão preciosa de testemunha do passado e de inspirador de sabedoria para os jovens e para o futuro.
Outras culturas, pelo contrário, especialmente depois de um desenvolvimento industrial e urbanístico desordenado, forçaram e continuam a forçar os anciãos a situações inaceitáveis de marginalização que são fonte de atrozes sofrimentos para eles mesmos e de empobrecimento espiritual para muitas famílias.
É necessário que a acção pastoral da Igreja estimule todos a descobrir e a valorizar as tarefas dos anciãos na comunidade civil e eclesial, e, em particular, na família. Na realidade, «a vida dos anciãos ajuda-nos a esclarecer a escala dos valores humanos; mostra a continuidade das gerações e demonstra maravilhosamente a interdependência do povo de Deus. Os anciãos têm além disso o carisma de encher os espaços vazios entre gerações, antes que se sublevem. Quantas crianças têm encontrado compreensão e amor nos olhos, nas palavras e nos carinhos dos anciãos! E quantas pessoas de idade têm subscrito com gosto as inspiradas palavras bíblicas que a "coroa dos anciãos são os filhos dos filhos" (Prov. 17, 6)»(79).
II - O SERVIÇO À VIDA
1) A transmissão da vida
Cooperadores do amor de Deus Criador
28.Com a criação do homem e da mulher à sua imagem e semelhança, Deus coroa e leva à perfeição a obra das suas mãos: Ele chama-os a uma participação especial do seu amor e do seu poder de Criador e de Pai, mediante uma cooperação livre e responsável deles na transmissão do dom da vida humana: «Deus abençoou-os e disse-lhes: "crescei e multiplicai-vos, enchei e dominai a terra"»(80).
Assim a tarefa fundamental da família é o serviço à vida. É realizar, através da história, a bênção originária do Criador, transmitindo a imagem divina pela geração de homem a homem(81).
A fecundidade é o fruto e o sinal do amor conjugal, o testemunho vivo da plena doação recíproca dos esposos: «O autêntico culto do amor conjugal e toda a vida familiar que dele nasce, sem pôr de lado os outros fins do matrimónio, tendem a que os esposos, com fortaleza de animo, estejam dispostos a colaborar com o amor do Criador e Salvador, que por meio deles aumenta cada dia mais e enriquece a família»(82).
A fecundidade do amor conjugal não se restringe somente à procriação dos filhos, mesmo que entendida na dimensão especificamente humana: alarga-se e enriquece-se com todos aqueles frutos da vida moral, espiritual e sobrenatural que o pai e a mãe são chamados a doar aos filhos e, através dos filhos, à Igreja e ao mundo.
A doutrina e a norma sempre antigas e sempre novas da Igreja
29. Exactamente porque o amor dos cônjuges é uma participação singular no mistério da vida e no amor do próprio Deus, a Igreja tem consciência de ter recebido a missão especial de guardar e de proteger a altíssima dignidade do matrimónio e a gravíssima responsabilidade da transmissão da vida humana.
Desta maneira, na continuidade com a tradição viva da comunidade eclesial através da história, o Concílio Vaticano II e o magistério do meu Predecessor Paulo VI, expresso sobretudo na encíclica Humanae Vitae, transmitiram aos nossos tempos um anúncio verdadeiramente profético, que reafirma e repõe, com clareza, a doutrina e a norma sempre antigas e sempre novas da Igreja sobre o matrimónio e sobre a transmissão da vida humana.
Por isso, os Padres Sinodais declaram textualmente na última Assembleia: «Este Sacro Sínodo reunido em união de fé com o Sucessor de Pedro, sustenta firmemente o que foi proposto pelo Concílio Vaticano II, Gaudium et Spes, 50 e, depois, pela encíclica Humanae Vitae, e em particular que o amor conjugal deve ser plenamente humano, exclusivo e aberto a nova vida (Humanae Vitae, 11 e cfr. 9 e 12)»(83).
A Igreja está do lado da vida
30.A doutrina da Igreja coloca-se hoje numa situação social e cultural que a torna mais difícil de ser compreendida e ao mesmo tempo mais urgente e insubstituível para promover o verdadeiro bem do homem e da mulher.
De facto o progresso científico-técnico que o homem contemporâneo amplia continuamente no domínio sobre a natureza, não só desenvolve a esperança de criar uma humanidade nova e melhor, mas gera também uma sempre mais profunda angústia sobre o futuro. Alguns perguntam-se se viver é bom ou se não teria sido melhor nem sequer ter nascido. Duvidam, portanto, da liceidade de chamar outros à vida, que talvez amaldiçoarão a sua existência num mundo cruel, cujos terrores nem sequer são previsíveis. Outros pensam que são os únicos destinatários das vantagens da técnica e excluem os demais, impondo-lhes meios contraceptivos ou técnicas ainda piores. Outros ainda, manietados como estão pela mentalidade consumística e com a única preocupação de um aumento contínuo dos bens materiais, acabam por não chegar a compreender e portanto por rejeitar a riqueza espiritual de uma nova vida humana. A razão última destas mentalidades é a ausência de Deus do coração dos homens, cujo amor só por si é mais forte do que todos os possíveis medos do mundo e tem o poder de os vencer.
Nasceu assim uma mentalidade contra a vida (anti-life mentality), como emerge de muitas questões actuais: pense-se, por exemplo, num certo pânico derivado dos estudos dos ecólogos e dos futurólogos sobre a demografia, que exageram, às vezes, o perigo do incremento demográfico para a qualidade da vida.
Mas a Igreja crê firmemente que a vida humana, mesmo se débil e com sofrimento, é sempre um esplêndido dom do Deus da bondade. Contra o pessimismo e o egoísmo que obscurecem o mundo, a Igreja está do lado da vida: e em cada vida humana sabe descobrir o esplendor daquele «Sim», daquele «Amém» que é o próprio Cristo (84). Ao «não» que invade e aflige o mundo, contrapõe este «Sim» vivente, defendendo deste modo o homem e o mundo de quantos insidiam e mortificam a vida.
A Igreja é chamada a manifestar novamente a todos, com uma firme e mais clara convicção, a vontade de promover, com todos os meios e de defender contra todas as insídias a vida humana, em qualquer condição e estado de desenvolvimento em que se encontre.
Por tudo isto a Igreja condena como ofensa grave à dignidade humana e à justiça todas aquelas actividades dos governos ou de outras autoridades públicas, que tentam limitar por qualquer modo a liberdade dos cônjuges na decisão sobre os filhos. Consequentemente qualquer violência exercitada por tais autoridades em favor da contracepção e até da esterilização e do aborto procurado, é absolutamente de condenar e de rejeitar com firmeza. Do mesmo modo é de reprovar como gravemente injusto o facto de nas relações internacionais, a ajuda económica concedida para a promoção dos povos ser condicionada a programas de contracepção, esterilização e aborto procurado85.
Para que o plano divino se realize sempre mais plenamente
31. A Igreja está sem dúvida consciente dos múltiplos e complexos problemas que hoje em muitos países envolvem os cônjuges no seu dever de transmitir responsavelmente a vida. Reconhece também o grave problema do incremento demográfico, como se apresenta nas diversas partes do mundo, e as relativas implicações morais.
A Igreja considera, todavia, que uma reflexão aprofundada de todos os aspectos de tais problemas ofereça uma nova e mais forte confirmação da importância da doutrina autêntica sobre a regulação da natalidade, reproposta no Concílio Vaticano II e na encíclica Humanae Vitae.
Por isto, juntamente com os Padres Sinodais, sinto o dever de dirigir um urgente convite aos teólogos a fim de que, unindo as suas forças para colaborar com o Magistério hierárquico, se empenhem em iluminar cada vez melhor os fundamentos bíblicos, as motivações éticas e as razões personalísticas desta doutrina. Será assim possível, no contexto de uma exposição orgânica, tornar a doutrina da Igreja sobre este tema fundamental verdadeiramente acessível a todos os homens de boa vontade, favorecendo uma compreensão cada dia mais luminosa e profunda: desta forma o plano divino poderá ser sempre mais plenamente cumprido para a salvação do homem e para a glória do Criador.
A tal respeito, o empenho concorde dos teólogos, inspirado pela adesão convencida ao Magistério, que é o único guia autêntico do Povo de Deus, apresenta particular urgência mesmo em razão da visão do homem que a Igreja propõe: dúvidas ou erros no campo matrimonial ou familiar implicam um grave obscurecer-se da verdade integral sobre o homem numa situação cultural já tão frequentemente confusa e contraditória O contributo de iluminação e de investigação, que os teólogos são chamados a oferecer no cumprimento da sua missão específica, tem um valor incomparável e representa um serviço singular, altamente meritório, à família e à humanidade.
Na visão integral do homem e da sua vocação
32.No contexto de uma cultura que deforma gravemente ou chega até a perder o verdadeiro significado da sexualidade humana, porque a desenraíza da sua referência essencial à pessoa, a Igreja sente como mais urgente e insubstituível a sua missão de apresentar a sexualidade como valor e tarefa de toda a pessoa criada, homem e mulher, à imagem de Deus.
Nesta perspectiva o Concílio Vaticano II afirmou claramente que «quando se trata de conciliar o amor conjugal com a transmissão responsável da vida, a moralidade do comportamento não depende apenas da sinceridade da intenção e da apreciação dos motivos; deve também determinar-se por critérios objectivos, tomados da natureza da pessoa e dos seus actos; critérios que respeitam, num contexto de autêntico amor, o sentido da mútua doação e da procriação humana. Tudo isto só é possível se se cultivar sinceramente a virtude da castidade conjugal»(86).
É exactamente partindo da «visão integral do homem e da sua vocação, não só natural e terrena, mas também sobrenatural e eterna»(87), que Paulo VI afirmou que a doutrina da Igreja «se funda na conexão inseparável, que Deus quis e que o homem não pode quebrar por sua iniciativa, entre os dois significados do acto conjugal: o significado unitivo e o significado procriativo»(88). E conclui reafirmando que é de excluir, como intrinsecamente desonesta, «toda a acção que, ou em previsão do acto conjugal, ou na sua realização, ou no desenvolvimento das suas consequências naturais, se proponha, como fim ou como meio, tornar a procriação impossível»(89).
Quando os cônjuges, mediante o recurso à contracepção, separam estes dois significados que Deus Criador inscreveu no ser do homem e da mulher e no dinamismo da sua comunhão sexual, comportam-se como «árbitros» do plano divino e «manipulam» e aviltam a sexualidade humana, e com ela a própria pessoa e a do cônjuge, alterando desse modo o valor da doação «total». Assim, à linguagem nativa que exprime a recíproca doação total dos cônjuges, a contracepção impõe uma linguagem objectivamente contradictória, a do não doar-se ao outro: deriva daqui, não somente a recusa positiva de abertura à vida, mas também uma falsificação da verdade interior do amor conjugal, chamado a doar-se na totalidade pessoal.
Quando pelo contrário os cônjuges, mediante o recurso a períodos de infecundidade, respeitam a conexão indivisível dos significados unitivo e procriativo da sexualidade humana, comportam-se como «ministros» de plano de Deus e «usufruem» da sexualidade segundo o dinamismo originário da doação «total», se manipulações e alterações(90).
À luz da experiência mesma de tantos casais e dos dados das diversas ciências humanas, a reflexão teológica pode receber e é chamada a aprofundar a diferença antropológica e ao mesmo tempo moral, que existe entre a contracepção e o recurso aos ritmos temporais: trata-se de uma diferença bastante mais vasta e profunda de quanto habitualmente se possa pensar e que, em última análise, envolve duas concepções da pessoa e da sexualidade humana irredutíveis entre si. A escolha dos ritmos naturais, de facto, comporta a aceitação do ritmo biológico da mulher, e com isto também a aceitação do diálogo, do respeito recíproco, da responsabilidade comum, do domínio de si. Acolher, depois, o tempo e o diálogo significa reconhecer o carácter conjuntamente espiritual e corpóreo da comunhão conjugal, como também viver o amor pessoal na sua exigência de fidelidade. Neste contexto o casal faz a experiência da comunhão conjugal enriquecida daqueles valores de ternura e afectividade, que constituem o segredo profundo da sexualidade humana, mesmo na sua dimensão física. Desta maneira a sexualidade é respeitada e promovida na sua dimensão verdadeira e plenamente humana, não sendo nunca «usada» como um «objecto» que, dissolvendo a unidade pessoal da alma e do corpo, fere a própria criação de Deus na relação mais íntima entre a natureza e a pessoa.
A Igreja Mestra e Mãe para os cônjuges em dificuldade
33.Também no campo da moral conjugal a Igreja é e age como Mestra e Mãe.
Como Mestra, ela não se cansa de proclamar a norma moral que deve guiar a transmissão responsável da vida. De tal norma a Igreja não é, certamente, nem a autora nem o juiz. Em obediência à verdade que é Cristo, cuja imagem se reflecte na natureza e na dignidade da pessoa humana, a Igreja interpreta a norma moral e propõe-na a todos os homens de boa vontade, sem esconder as suas exigências de radicalidade e de perfeição.
Como Mãe, a Igreja está próxima dos muitos casais que se encontram em dificuldade sobre este importante ponto da vida moral: conhece bem a sua situação, frequentemente muito árdua e às vezes verdadeiramente atormentada por dificuldades de toda a espécie, não só individuais mas também sociais; sabe que muitos cônjuges encontram dificuldades não só para a realização concreta mas também para a própria compreensão dos valores ínsitos na norma moral.
Mas é a mesma e única Igreja a ser ao mesmo tempo Mestra e Mãe. Por isso a Igreja nunca se cansa de convidar e de encorajar para que as eventuais dificuldades conjugais sejam resolvidas sem nunca falsificar e comprometer a verdade: ela está de facto convencida de que não pode existir verdadeira contradição entre a lei divina de transmitir a vida e a de favorecer o autêntico amor conjugal(91). Por isso, a pedagogia concreta da Igreja deve estar sempre ligada e nunca separada da sua doutrina. Repito, portanto, com a mesmíssima persuasão do meu Predecessor: «Não diminuir em nada a doutrina salutar de Cristo é eminente forma de caridade para com as almas»(92).
Por outro lado, a autêntica pedagogia eclesial revela o seu realismo e a sua sabedoria só desenvolvendo um empenhamento tenaz e corajoso no criar e sustentar todas aquelas condições humanas - psicológicas, morais e espirituais - que são indispensáveis para compreender e viver o valor e a norma moral.
Não há dúvida de que entre estas condições devem elencar-se a constância e a paciência, a humildade e a fortaleza de espírito, a filial confiança em Deus e na sua graça, o recurso frequente à oração e aos sacramentos da Eucaristia e da reconciliação(93). Assim fortalecidos, os cônjuges cristãos poderão manter viva a consciência do influxo singular que a graça do sacramento do matrimónio exerce sobre todas as realidades da vida conjugal, e, portanto, também sobre a sua sexualidade: o dom do Espírito, acolhido e correspondido pelos cônjuges, ajuda-os a viver a sexualidade humana segundo o plano de Deus e como sinal do amor unitivo e fecundo de Cristo pela Igreja.
Mas, entre as condições necessárias, entra também o conhecimento da corporeidade e dos ritmos de fertilidade. Em tal sentido, é preciso fazer tudo para que um igual conhecimento se torne acessível a todos os cônjuges, e, antes ainda às jovens, mediante uma informação e educação clara, oportuna e séria, feita por casais, médicos e peritos. O conhecimento deve conduzir à educação para o autocontrole: daqui a absoluta necessidade da virtude da castidade e da permanente educação para ela. Segundo a visão cristã, a castidade não significa de modo nenhum nem a recusa nem a falta de estima pela sexualidade humana: ela significa antes a energia espiritual que sabe defender o amor dos perigos do egoísmo e da agressividade e sabe voltá-lo para a sua plena realização.
Paulo VI, com profundo intuito de sabedoria e de amor, não fez outra coisa senão dar voz à experiência de tantos casais quando na sua encíclica escreveu: «O domínio do instinto, mediante a razão e a vontade livre, impõe sem dúvida uma ascese para que as manifestações afectivas da vida conjugal sejam segundo a ordem recta e particularmente para a observância da continência periódica. Mas esta disciplina própria da pureza dos esposos, muito longe de prejudicar o amor conjugal, confere-lhe pelo contrário um mais alto valor humano. Isto exige um esforço contínuo, mas graças ao seu benéfico influxo, os cônjuges desenvolvem integralmente a sua personalidade, enriquecendo-se de valores espirituais: aquela traz à vida familiar frutos de serenidade e de paz e facilita a solução de outros problemas; favorece a atenção para com o consorte, ajuda os esposos a superar o egoísmo, inimigo do amor, e aprofunda o sentido da responsabilidade deles no cumprimento dos seus deveres. Os pais adquirem então a capacidade de uma influência mais profunda e eficaz na educação dos filhos»(94).
O itinerário moral dos esposos
34.É sempre muito importante possuir uma recta concepção da ordem moral, dos seus valores e das suas normas: a importância aumenta quando se tornam mais numerosas e graves as dificuldades para as respeitar.
Exactamente porque revela e propõe o desígnio de Deus Criador, a ordem moral não pode ser algo de mortificante para o homem e de impessoal; pelo contrário, respondendo às exigências mais profundas do homem criado por Deus, põe-se ao serviço da sua plena humanidade, com o amor delicado e vinculante com o qual Deus mesmo inspira, sustenta e guia cada criatura para a felicidade.
Mas o homem, chamado a viver responsavelmente o plano sapiente e amoroso de Deus, é um ser histórico, que se constrói, dia a dia, com numerosas decisões livres: por isso ele conhece, ama e cumpre o bem moral segundo etapas de crescimento.
Também os cônjuges, no âmbito da vida moral, são chamados a um contínuo caminhar, sustentados pelo desejo sincero e operante de conhecer sempre melhor os valores que a lei divina guarda e promove, pela vontade recta e generosa de os encarnar nas suas decisões concretas. Eles, porém, não podem ver a lei só como puro ideal a conseguir no futuro, mas devem considerá-la como um mandato de Cristo de superar cuidadosamente as dificuldades. Por isso a chamada «lei da graduação» ou caminho gradual não pode identificar-se com a "graduação da lei", como se houvesse vários graus e várias formas de preceito na lei divina para homens em situações diversas. Todos os cônjuges são chamados, segundo o plano de Deus, à santidade no matrimónio e esta alta vocação realiza-se na medida em que a pessoa humana está em grau de responder ao mandato divino com espírito sereno, confiando na graça divina e na vontade própria»(95). Na mesma linha a pedagogia da Igreja compreende que os cônjuges antes de tudo reconheçam claramente a doutrina da Humanae Vitae como normativa para o exercício da sexualidade e sinceramente se empenhem em pôr as condições necessárias para a observar.
Esta pedagogia, como sublinhou o Sínodo, compreende toda a vida conjugal. Por isso a obrigação de transmitir a vida deve integrar-se na missão global da totalidade da vida cristã, a qual, sem a cruz, não pode chegar à ressurreição. Em semelhante contexto compreende-se como não se possa suprimir da vida familiar o sacrifício, mas antes se deva aceitá-lo com o coração para que o amor conjugal se aprofunde e se torne fonte de alegria íntima.
Este caminho comum exige reflexão, informação, instrução idónea dos sacerdotes, dos religiosos e dos leigos que estão empenhados na pastoral familiar: todos eles poderão ajudar os cônjuges no itinerário humano e espiritual que comporta em si a consciência do pecado, o sincero empenho de observar a lei moral, o ministério da reconciliação. Deve também ser recordado como na intimidade conjugal estão implicadas as vontades das duas pessoas, chamadas a uma harmonia de mentalidade e comportamento: isto exige não pouca paciência, simpatia e tempo. De singular importância neste campo é a unidade dos juízos morais e pastorais dos sacerdotes: tal unidade deve cuidadosamente ser procurada e assegurada, para que os fiéis não tenham que sofrer problemas de consciência(96).
O caminho dos cônjuges será portanto facilitado se, na estima da doutrina da Igreja e na confiança na graça de Cristo, ajudados e acompanhados pelos pastores e pela inteira comunidade eclesial, descobrirem e experimentarem o valor da libertação e da promoção do amor autêntico, que o Evangelho oferece e o mandamento do Senhor propõe.
Suscitar convicções e oferecer uma ajuda concreta
35.Diante do problema de uma honesta regulação da natalidade, a comunidade eclesial, no tempo presente, deve assumir como seu dever suscitar convicções e oferecer uma ajuda concreta a quantos quiserem viver a paternidade e a maternidade de modo verdadeiramente responsável.
Neste campo, enquanto se congratula com os resultados conseguidos pelas investigações científicas de um conhecimento mais preciso dos ritmos de fertilidade feminina e estimula uma mais decisiva e ampla extensão de tais estudos, a Igreja cristã não pode não solicitar com renovado vigor a responsabilidade de quantos - médicos, peritos, conselheiros conjugais, educadores, casais - podem efectivamente ajudar os cônjuges a viver o seu amor com respeito pela estrutura e pelas finalidades do acto conjugal que o exprime. Isto quer dizer um empenho mais vasto, decisivo e sistemático, para fazer conhecer, apreciar e aplicar os métodos naturais de regulação da fertilidade(97).
Um testemunho precioso pode e deve ser dado por aqueles esposos que, mediante o comum empenho na continência periódica, chegaram a uma responsabilidade pessoal mais madura em relação ao amor e à vida. Como escrevia Paulo VI: «a esses confia o Senhor a tarefa de fazer visível aos homens a santidade e a suavidade da lei que une o amor mútuo dos esposos e a cooperação deles com o amor de Deus autor da vida humana»(98).
2) A educação
O direito-dever dos pais de educar
36. O dever de educar mergulha as raízes na vocação primordial dos cônjuges à participação na obra criadora de Deus: gerando no amor e por amor uma nova pessoa, que traz em si a vocação ao crescimento e ao desenvolvimento, os pais assumem por isso mesmo o dever de a ajudar eficazmente a viver uma vida plenamente humana. Como recordou o Concílio Vaticano II: «Os pais, que transmitiram a vida aos filhos, têm uma gravíssima obrigação de educar a prole e, por isso, devem ser reconhecidos como seus primeiros e principais educadores. Esta função educativa é de tanto peso que, onde não existir, dificilmente poderá ser suprida. Com efeito, é dever dos pais criar um ambiente de tal modo animado pelo amor e pela piedade para com Deus e para com os homens que favoreça a completa educação pessoal e social dos filhos. A família é, portanto, a primeira escola das virtudes sociais de que as sociedades têm necessidade»(99).
O direito-dever educativo dos pais qualifica-se como essencial, ligado como está à transmissão da vida humana; como original e primário, em relação ao dever de educar dos outros, pela unicidade da relação de amor que subsiste entre pais e filhos; como insubstituível e inalienável, e portanto, não delegável totalmente a outros ou por outros usurpável.
Para além destas características, não se pode esquecer que o elemento mais radical, que qualifica o dever de educar dos pais é o amor paterno e materno, o qual encontra na obra educativa o seu cumprimento ao tornar pleno e perfeito o serviço à vida: o amor dos pais de fonte torna-se alma e, portanto, norma, que inspira e guia toda a acção educativa concreta, enriquecendo-a com aqueles valores de docilidade, constância, bondade, serviço, desinteresse, espírito de sacrifício, que são o fruto mais precioso do amor.
Educar para os valores essenciais da vida humana
37. Embora no meio das dificuldades da obra educativa, hoje muitas vezes agravada, os pais devem, com confiança e coragem, formar os filhos para os valores essenciais da vida humana. Os filhos devem crescer numa justa liberdade diante dos bens materiais, adoptando um estilo de vida simples e austero, convencidos de que «o homem vale mais pelo que é do que pelo que tem» (100).
Numa sociedade agitada e desagregada por tensões e conflitos em razão do violento choque entre os diversos individualismos e egoísmos, os filhos devem enriquecer-se não só do sentido da verdadeira justiça que, por si só conduz ao respeito pela dignidade pessoal de cada um, mas também e, ainda mais, do sentido do verdadeiro amor, como solicitude sincera e serviço desinteressado para com os outros, em particular os mais pobres e necessitados. A família é a primeira e fundamental escola de sociabilidade: enquanto comunidade de amor, ela encontra no dom de si a lei que a guia e a faz crescer. O dom de si, que inspira o amor mútuo dos cônjuges, deve pôr-se como modelo e norma daquele que deve ser actuado nas relações entre irmãos e irmãs e entre as diversas gerações que convivem na família. E a comunhão e a participação quotidianamente vividas na casa, nos momentos de alegria e de dificuldade, representam a mais concreta e eficaz pedagogia para a inserção activa, responsável e fecunda dos filhos no mais amplo horizonte da sociedade.
A educação para o amor como dom de si constitui também a premissa indispensável para os pais chamados a oferecer aos filhos uma clara e delicada educação sexual. Diante de uma cultura que «banaliza» em grande parte a sexualidade humana, porque a interpreta e a vive de maneira limitada e empobrecida coligando-a unicamente ao corpo e ao prazer egoístico, o serviço educativo dos pais deve dirigir-se com firmeza para uma cultura sexual que seja verdadeira e plenamente pessoal. A sexualidade, de facto, é uma riqueza de toda a pessoa - corpo, sentimento e alma - e manifesta o seu significado íntimo ao levar a pessoa ao dom de si no amor.
A educação sexual, direito e dever fundamental dos pais, deve actuar-se sempre sob a sua solícita guia, quer em casa quer nos centros educativos escolhidos e controlados por eles. Neste sentido a Igreja reafirma a lei da subsidiariedade, que a escola deve observar quando coopera na educação sexual, ao imbuir-se do mesmo espírito que anima os pais.
Neste contexto é absolutamente irrenunciável a educação para a castidade como virtude que desenvolve a autêntica maturidade da pessoa e a torna capaz de respeitar e promover o «significado nupcial» do corpo. Melhor, os pais cristãos reservarão uma particular atenção e cuidado, discernindo os sinais da chamada de Deus, para a educação para a virginidade como forma suprema daquele dom de si que constitui o sentido próprio da sexualidade humana.
Pelos laços estreitos que ligam a dimensão sexual da pessoa e os seus valores éticos, o dever educativo deve conduzir os filhos a conhecer e a estimar as normas morais como necessária e preciosa garantia para um crescimento pessoal responsável na sexualidade humana.
Por isto a Igreja opõe-se firmemente a uma certa forma de informação sexual, desligada dos princípios morais, tão difundida, que não é senão uma introdução à experiência do prazer e um estímulo que leva à perda - ainda nos anos da inocência - da serenidade, abrindo as portas ao vício.
A missão educativa e o sacramento do matrimónio
38. Para os pais cristãos a missão educativa, radicada como já se disse na sua participação na obra criadora de Deus, tem uma nova e específica fonte no sacramento do matrimónio, que os consagra para a educação propriamente cristã dos filhos, isto é, que os chama a participar da mesma autoridade e do mesmo amor de Deus Pai e de Cristo Pastor, como também do amor materno da Igreja, e os enriquece de sabedoria, conselho, fortaleza e de todos os outros dons do Espírito Santo para ajudarem os filhos no seu crescimento humano e cristão.